Eleições 2022 no Brasil: uma retrospectiva analítica orientada pelo comportamento digital da população
A literatura sobre os avanços da democracia aponta que há componentes fundamentais para a manutenção do sistema democrático, como a liberdade de expressão e de imprensa, direito ao voto livre, elegibilidade política, liberdade de associação, acesso à informação, funcionamento das instituições, eleições idôneas e reconhecimento à vontade popular.
Além desses componentes, os especialistas em política destacam a relevância e necessidade dos partidos políticos para o funcionamento dos regimes democráticos.
Oswaldo Amaral1, professor na Universidade Estadual de Campinas, aponta no artigo “O que sabemos sobre a organização dos partidos políticos” que embora existam divergências sobre como as agremiações políticas funcionam e se comportam, há consenso sobre sua importância e viabilidade para o funcionamento das democracias representativas.
Para o cientista político norte-americano Samuel Huntington2, podemos identificar tendências mundiais – “ondas” – que, num determinado período de tempo, transformam a forma como os países operam a sua política.
O Brasil faz parte da chamada terceira onda de democratização, iniciada em 1974, a partir de quando países latino-americanos e africanos, sobretudo, transitaram de ditaduras para democracias, passando a apresentar uma estruturação de sistema partidário.
Marcadas por intensa cobertura em veículos de imprensa nacionais3 e internacionais4, as eleições presidenciais de 2022 expuseram a polarização do ambiente político no país com a disputa acirrada dos candidatos Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Foi o processo eleitoral mais competitivo desde a redemocratização do Brasil.
Encerrados primeiro e segundo turnos e iniciado o processo de transição de governos, a Similarweb reuniu um conjunto de dados extraídos das soluções da plataforma para fazer um mergulho profundo no comportamento dos usuários de sites relacionados às eleições.
A abordagem foi baseada nas informações dos domínios oficiais dos partidos políticos e no mapeamento dos principais termos buscados de janeiro a outubro de 2022. As análises consideram as plataformas desktop e mobile web, não incluindo aplicativos.
No centro do debate, partidos políticos e protagonismo dos candidatos
Embora a atenção tenha se concentrado em Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o primeiro turno reuniu 11 candidaturas para a disputa presidencial, segundo maior número de postulantes ao cargo desde 1989 – só atrás de 2018, com 13 requerentes.
É interessante analisar como essa quantidade de candidatos influenciou no tráfego dos sites dos partidos políticos e como foi o comportamento da população na busca por informações para guiar a tomada de decisão de voto.
O gráfico a seguir faz uma relação entre o volume total de visitas recebidas pelos domínios partidários de janeiro a outubro de 2022 e acontecimentos do calendário eleitoral divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Fonte: Similarweb, 2022. Sites em análise: democraciacrista.org.br, mdb.org.br, pcb.org.br, pdt.org.br, partidoliberal.org.br, novo.org.br, pstu.org.br, pt.org.br, ptb.org.br, uniaobrasil.org.br. *Unidade Popular (UP) não apresentou website, o que impossibilitou a inclusão na análise.
Com a evolução dos eventos, a população se mostrou mais interessada em acessar os sites em busca de informações sobre os candidatos, notícias, planos de governo, agenda das campanhas políticas, entre outros. O volume de visitas aos domínios cresceu gradativamente com a proximidade das eleições.
Segundo pesquisa realizada pelo Ipec5 entre 9 e 11 de setembro de 2022, 38% dos brasileiros afirmaram ter muito interesse nas eleições, e outros 29% afirmaram ter interesse médio. Entre os desinteressados, 19% disseram ter pouco interesse, e 14%, nenhum interesse.
A hipótese difundida popularmente de que o engajamento político da população aumenta no período que antecede a disputa eleitoral foi confirmada no Brasil tanto pelo levantamento do Ipec quanto pelos dados da Similarweb expostos no gráfico acima.
Principais pontos:
- Os dados gerados pela Similarweb apontam que, a partir das convenções partidárias de agosto de 2022, houve aumento de +752% em relação ao ano anterior no tráfego dos sites dos partidos políticos com candidaturas à presidência;
- No agregado, os sites partidários atingiram volume total de 22.2 milhões de visitas de janeiro a outubro de 2022;
- O pico de acessos aconteceu em 2 de outubro, dia do primeiro turno, totalizando 1.1 milhão de visitas;
- No segundo turno, a queda no volume de visitas está relacionada à redução do número de candidaturas.
Ondas de participação no tráfego: observando a disputa a partir das visitas online
O próximo gráfico apresenta o mapeamento dos sites dos partidos políticos que disputaram as eleições presidenciais de 2022 e as respectivas parcelas de visitas.
No período que antecedeu a disputa, de janeiro até meados de agosto, houve pouca alteração significativa na participação de tráfego dos sites dentro do grupo analisado. O PT (em vermelho) manteve a liderança com 60%, seguido pelo Novo (em laranja) e PCB (em vinho), com 9% cada.
Principais pontos:
- No resultado consolidado, os cinco partidos que mais receberam visitas foram PT (12.7 milhões), Novo (2 milhões), PCB (1.5 milhão), PSTU (1.2 milhão) e PDT (1.1 milhão);
- Ao longo de todo o período, o PT seguiu na primeira posição, apresentando grande destaque em visitas comparado aos demais sites partidários;
- De agosto a outubro, os partidos que mais cresceram em participação foram: PT (+8%), PL (+5%), Novo (+2%) e União Brasil (+1%);
- Os partidos que encolheram em visitas ao longo do ano eleitoral foram: PCB (-6%), PSTU (-5%) e PDT (-4%).
Os sites dos candidatos que avançaram para o segundo turno na disputa (PT e PL) foram aqueles que mais ganharam volume em tráfego ao longo dos últimos meses.
Podemos apontar também que o crescimento do PL deu-se, principalmente, a partir do lançamento da candidatura de Jair Bolsonaro. Em junho de 2022, com a movimentação eleitoral, o site atingiu 5% de participação de tráfego dentro do grupo analisado. Em julho, após o anúncio oficial da campanha do candidato à reeleição, chegou ao seu pico de participação em visitas (7%).
Engajamento: um olhar mais aprofundado sobre o comportamento dos visitantes
Além do volume de visitas, as métricas de engajamento também podem ser importantes indicadores sobre o envolvimento dos visitantes em relação ao conteúdo encontrado nos sites, a navegabilidade das páginas e a experiência de usuário dos domínios.
A tabela abaixo traz uma comparação dos sites dos partidos em três métricas: tempo de duração das visitas, número de páginas vistas em cada visita e taxa de rejeição, ou seja, o percentual de visitantes de uma página que a acessam e saem sem realizar qualquer interação.
Principais pontos:
- O MDB, partido da senadora Simone Tebet, foi o que apresentou as melhores taxas de engajamento, com maior tempo de permanência no site, de 3:38 minutos, média de 2.72 páginas por visita e taxa de rejeição de 53%;
- União Brasil, que lançou a candidatura de Soraya Thronicke, também obteve bom desempenho: taxa de rejeição baixa, de 49%, e alto número de páginas por visita, com média de 2.76;
- Novo, de Felipe d’Avila, teve o maior número de páginas por visita – em média, a audiência acessou 3.54 páginas;
- O site do PL, de Jair Bolsonaro, ficou com a terceira maior duração das visitas (2:03 minutos), e a terceira menor taxa de rejeição, de 55%. Esse foi o percentual de visitantes que visualizaram apenas uma página do site e saíram. A média geral dos demais partidos nessa métrica é de 70%;
- PTB teve alguns dos níveis mais baixos de engajamento, de modo geral, com taxa de rejeição de 68% e tempo de visita de 1:16 minutos. Apesar do alto volume de visitações, o partido conseguiu reter menos os usuários em seu domínio.
O destaque da performance de engajamento no site do MDB corrobora os acenos da imprensa de que Simone Tebet teve o melhor desempenho nos debates eleitorais. Segundo o Correio Braziliense6, foi da senadora o melhor desempenho nos debates, liderando o diálogo em pautas sobre enfrentamento da COVID-19, defesa das mulheres e combate à corrupção.
A hipótese é de que o bom desempenho nos debates tenha aumentado a exposição de Tebet, gerando mais interesse da população em acessar o domínio do partido representado por ela durante o primeiro turno. Além do site do MDB, o do União Brasil também obteve bons resultados de engajamento com o lançamento da candidatura de Soraya Thronicke.
Influência da distribuição de gênero na preferência por candidaturas
Entre as possíveis razões para as performances de destaque abordadas acima está o fato de que a temática de defesa dos direitos das mulheres – presente tanto nas pautas de Simone Tebet quanto de Soraya Thronicke – foi um dos assuntos centrais das eleições de 2022.
Em artigo de maio deste ano, a BBC Brasil7 apontou três elementos que explicam por que as mulheres seriam o grupo decisivo na disputa de 2022: “(as mulheres) serem maioria no eleitorado, terem intenção de voto diferente dos homens e serem maioria entre os indecisos”.
O gráfico abaixo ressalta os índices de alcance de audiência de acordo com o site, e ajuda a entender o perfil de gênero de visita aos domínios partidários.
Principais pontos:
- PSTU, PDT, MDB e DC foram os partidos que apresentaram a maior porcentagem de visitações femininas. A diferença é de 12, 9 e 8 pontos percentuais (p.p.), respectivamente, em comparação a acessos do público masculino;
- Já Novo, PL e União Brasil obtiveram as maiores porcentagens de visitações masculinas, com diferenças percentuais de 17, 9 e 7 pontos em comparação a visitações femininas.
MDB e PSTU foram os partidos que apresentaram as maiores proporções de filiações femininas: PSTU com 46%, e MDB com 47% – dados elaborados a partir das estatísticas de filiação partidária8 consolidadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Por outro lado, o partido Novo obteve o índice mais baixo de participação das mulheres, com 31% de candidaturas femininas e apenas 21% de filiadas – dados do levantamento realizado com a base disponibilizada pelo TSE.
Interesse de busca na figura dos candidatos à presidência
Fonte: Similarweb, 2022. Metodologia: análise de pesquisas pelos nomes de candidatos à presidência e termos correlatos indicados pelos Gerador de Termos da Similarweb.
O gráfico acima retrata o volume total de buscas orgânicas pelos nomes dos candidatos e por termos relacionados a eles. Em todo o período observado, Jair Bolsonaro (PL) foi o candidato que teve o maior volume de pesquisas, com total de 76.5 milhões de buscas (57% de participação total).
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi responsável pela segunda maior participação de pesquisas, com total de 39 milhões de buscas (29%). Ciro Gomes (PDT) ficou em terceiro lugar, com 7%, seguido por Simone Tebet (MDB), com 4%.
Fonte: Similarweb, 2022. Metodologia: análise de pesquisas pelos nomes de candidatos à presidência e por termos correlatos indicados pelo Gerador de Termos da Similarweb. No gráfico, apresentamos dados dos candidatos com participação superior a 1%. Candidatos com participação inferior a 1% foram: José Maria Eymael (DC), Vera Lúcia (PSTU), Leonardo Péricles (UP), Sofia Manzano (PCB) e Kelmon Souza (PTB).
Principais pontos:
- Observando os dados de visitas a sites partidários e o interesse de buscas aos candidatos, foi possível ressaltar que a candidatura de Jair Bolsonaro (PL) gerou um volume de interesse muito maior em sua figura pessoal, com 76 milhões de buscas orgânicas totais, do que na página da sua candidatura no Partido Liberal, que teve o total de 1.2 milhão visitas;
- Soraya Thronicke (União Brasil) foi a candidata que mais cresceu em volume de buscas durante a corrida eleitoral. Em janeiro, recebeu 9.2 mil pesquisas, e em outubro, 755 mil, representando crescimento de 8.253%;
- A segunda candidatura que demonstrou mais crescimento foi a de Simone Tebet (MDB). Em janeiro, a candidata recebeu 94 mil pesquisas orgânicas em buscadores; em outubro, saltou para 2 milhões, com aumento percentual de 2.028%.
Considerações finais
Os ciclos eleitorais ressaltam cada vez mais a importância da estratégia digital ao longo da disputa. As pesquisas e notícias geralmente abordam estudos voltados para estatísticas de engajamento em redes sociais como Twitter, Instagram, Facebook e, mais recentemente, Tik Tok.
As redes sociais já são reconhecidas como uma das principais fontes influenciadoras do debate político atual. Por meio delas, os candidatos conseguem se aproximar dos eleitores ao trazerem um componente de horizontalidade na comunicação. Isso acontece com as constantes postagens da agenda de candidatos, dia a dia das campanhas, compartilhamentos de propostas, notícias e opiniões.
Neste artigo, vamos além do ambiente das redes sociais para trazer uma visão analítica e detalhada sobre o tráfego nos sites partidários e a pesquisa de informações das candidaturas nos mecanismos de buscas, métricas acessíveis por meio da Similarweb. Esses dados de comportamento e audiência acrescentam, assim, uma nova camada de compreensão sobre o ecossistema da internet.
Por meio das soluções voltadas para competitividade digital da Similarweb, foi possível observar a evolução do interesse nos sites partidários ao longo do calendário eleitoral, as diferenças de volume de visitas desses domínios, dados de engajamento que apontam envolvimento e permanência dos visitantes nos sites e o perfil de gênero dos usuários.
Outro ganho ao expandir a análise foi examinar a importância dos partidos políticos por meio do interesse da população em acessar os domínios oficiais contendo referências de campanhas e candidatos. No cenário atual de combate a notícias falsas, é crucial que esse tipo de busca aumente cada vez mais, permitindo a checagem, verificação e o compartilhamento de informações seguras.
Para mais informações, escreva para vicky.almeida@similarweb.com
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Fontes e referências
[1] AMARAL, Oswaldo. O que sabemos sobre a organização dos partidos políticos: uma avaliação de 100 anos de literatura. Revista Debates, 2013.
[2] HUNTINGTON, Samuel. A terceira onda: a democratização no final do século XX. Ática, 1994
[3] Uma escolha difícil: imprensa internacional repercute reta final da eleição brasileira. UOL Notícias, 29 de outubro de 2022
[4] NICAS, Jack. Bolsonaro vs. Lula: Brazil Faces a Stark Choice With Huge Stakes. The New York Times, 29 de outubro de 2022
[5] Ipec: 2 em cada 3 brasileiros dizem estar interessados nas eleições de outubro. G1 Eleições, 13 de setembro de 2022.
[6] MEDEIROS, Taísa; CORREIA, Victor. Simone Tebet tem o melhor desempenho nas eleições e conquista espaço. Correiro Braziliense, 17 de outubro de 2022
[7] PASSARINHO, Nathalia. 3 fatores que explicam por que mulheres serão decisivas na eleição de 2022. BBC News Brasil, 30 de maio de 2022
[8] BRASIL. Estatísticas de filiação partidária, consolidadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).